O Walking Camera Project ultrapassa os contornos tradicionais da prática fotográfica ao incorporar uma marcada dimensão performativa nas suas acções. Esta iniciativa inscreve-se num território de cruzamento entre a criação visual, a acção no espaço público e a participação colectiva, transformando o acto fotográfico numa performance vivida, partilhada e significativa.

Na prática da fotografia à la minute, o acto de montar a câmara artesanal em espaço público, preparar os reagentes químicos, interagir com a pessoa retratada e revelar a imagem à vista de todos, assume contornos de ritual performativo. O corpo do fotógrafo actua como um mediador entre o domínio técnico e o gesto poético. Esta abordagem remete para as ideias de Richard Schechner, que define a performance como uma “restauração de comportamento” — uma série de acções repetidas com variações, investidas de sentido simbólico e estético. Neste contexto, o público não é um mero espectador, mas sim parte integrante da acção. A experiência aproxima-se daquilo que Nicolas Bourriaud designa como arte relacional, onde o valor da obra reside menos no objecto final e mais na experiência partilhada entre os participantes. A rua deixa de ser um mero cenário para se tornar um palco de encontros e interacções — um espaço performativo onde a imagem se constrói ao vivo, em tempo real, com a cumplicidade do outro. Do ponto de vista da história e da estética da fotografia, esta prática reivindica uma dimensão material e sensorial do fazer fotográfico, contrastando com a lógica acelerada e imaterial da imagem digital. O momento da revelação manual, diante do olhar do retratado, restitui à fotografia o seu “momento mágico”, aquilo que Roland Barthes, em A Câmara Clara, designa como “punctum” — o detalhe que fere, que toca, que inquieta. No caso do Walking Camera, o “punctum” está já presente no próprio processo de criação da imagem, e não apenas no resultado final.

O gesto do fotógrafo, a presença da câmara enquanto objecto estranho e anacrónico, e o envolvimento do público, evocam também a noção de “corpo performativo” defendida por Peggy Phelan, que entende a performance como um acontecimento que “existe no presente e resiste à documentação”. Neste sentido, o projecto não se limita a produzir fotografias: ele encena o acto fotográfico.

O fazer torna-se espectáculo, acto artístico, memória encarnada. Desta forma, o Walking Camera Project ocupa um espaço híbrido entre arte, pedagogia e intervenção social. A sua dimensão performativa reside não só na estética dos gestos ou na singularidade do dispositivo técnico, mas sobretudo na capacidade de reconfigurar a fotografia enquanto experiência relacional, corporal e situada — um acto de presença, de encontro e de criação partilhada.

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